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Jose Saramago
 

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Parabéns drummondianos, José!

Parabéns, José!
Mas agora, José?
A vida acabou,
a polémica cessou,
Portugal já te admite,
a crise remite,
ainda que só parece.
Porque as crises continuam,
as polémicas duram,
e agora, José?
E agora, que fazemos com você?
Você que era todos os nomes,
livre escolhedor de factos,
que fez de literários actos,
o sinal de uma pessoa.
Que transformou a ficção
em política acção,
que deu novos olhos aos mundos,
em declaração de fé,
e agora, José?

Aqui já não estás,
estarás livre sem Deus,
estarás sorrindo para nós,
já poderás beber,
já poderás fumar,
cuspir desde o alto
e de baixo da terra,
para estados que desmoronam,
para néscios que governam.
A nossa senhora não veio,
o último juízo não veio,
o corpo acabou,
o corpo fugiu
mas a tua ironia ficou,
a utopia também,
embora dissesses que era vã,
sempre só para o amanhã.
Não poderias voltar,
só para um dia,
só para zombar,
José?

E agora, José?
A tua certeira palavra,
as tuas imagens sublimes,
tua Blimunda em jejum,
tua biblioteca de Quem,
tuas histórias de humildes,
teu traje de ternura,
tua eterna coerência,
teu anarquismo comunista,
sempre à larga vista,
e agora nós?

Ficamos sem chave na mão,
sem portas para abrir -
mas talvez nem existam portas.
Quiseste ser cinza em Lanzarote,
mas também te levamos a Portugal.
Já sei, não foi por mal.
Precisamos-te cá, já sabes,
nas ondas rói-se Portugal,
bebendo lágrimas, comendo sal,
mastigam a sua alma, vomitam-na
com toda a calma e trituram a sua costa.
Só tu soubeste expandir Portugal
até ao mais universal,
José. Mas agora nós?

Se pelo menos gritasses do além,
se estoirasses os cortejos
e a valsa de hipócritas
que te invocam em vão
em todos os altos de São João.
E se realmente morresses…
Mas tu não morres, não é?
Tu és duro, José!
Aconchegado na urna
qual Baltasar em Blimunda,
sem teogonia nem outra mania,
sem panteão que faça falta
para te encostar à história.
Como estátua de pedra polida,
na passarola movida
pelos sonhos de todos nós,
vês a vida da gente,
ter-te-emos em mente,
para que sejas nosso, José.
Não é?



© Baltasar Castroforte & CJS
Publicado, 16/11/2018




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